Direito da Saúde Suplementar:
O que pode ser negado pelos Planos de Saúde e a diferença entre Cobertura Contratada e Cobertura Obrigatória
O crescimento da judicialização no setor da saúde suplementar, especialmente no que se refere às negativas de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde, tem gerado uma série de interpretações equivocadas sobre os limites legais e contratuais dessas recusas. A insatisfação do consumidor, quando dissociada da análise técnica e jurídica do contrato firmado, frequentemente transforma questões regulatórias legítimas em conflitos judiciais. Esses conflitos poderiam ser evitados com maior clareza conceitual, tanto por parte do beneficiário, quanto por parte dos profissionais envolvidos na assistência jurídica.
É necessário compreender que os planos de saúde não são seguros de cobertura ilimitada. Tratam-se, na verdade, de contratos privados firmados entre operadora e beneficiário, com base em regras claras estabelecidas pela Lei nº 9.656/98, que disciplina a saúde suplementar no Brasil e, regulamentadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão técnico que detém a competência legal para definir o escopo mínimo de cobertura obrigatória por meio do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Esse Rol, constantemente atualizado, não é um catálogo meramente informativo, mas uma diretriz normativa com parâmetros técnicos, baseados em evidências científicas, eficácia terapêutica, custo-benefício e critérios objetivos que conferem previsibilidade ao sistema e segurança às relações contratuais.
O grande equívoco, que acaba alimentando a judicialização, está justamente na confusão entre o que foi efetivamente contratado e o que é obrigatoriamente coberto por força da regulação. A cobertura obrigatória está condicionada ao tipo de plano — ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, odontológico ou referência — e deve obedecer ao que está previsto no contrato e no Rol da ANS. Não é razoável, nem juridicamente admissível, exigir de uma operadora a cobertura de procedimentos alheios ao plano contratado. Quando, por exemplo, um plano ambulatorial é firmado, é natural que internações hospitalares, cirurgias ou determinados tipos de terapias estejam fora do alcance contratual. Isso não representa uma negativa abusiva, mas sim o respeito ao objeto pactuado pelas partes, cujos termos foram livremente aceitos no momento da contratação.
Outro ponto sensívele frequentemente mal interpretado, é a tentativa de impor às operadoras a obrigação de custear medicamentos e tratamentos experimentais, off label, sem registro na ANVISA ou ainda, não incorporados ao Rol Taxativo. Nessas hipóteses, a negativa não apenas é permitida, como também é exigida do ponto de vista regulatório. A ANS estabelece que a inclusão de qualquer novo procedimento no Rol deve passar por uma rigorosa análise técnica, de modo a preservar a sustentabilidade do sistema e garantir que as coberturas oferecidas tenham respaldo científico e segurança comprovada. Ao negar um medicamento sem registro ou um tratamento ainda em fase de estudo, a operadora não está descumprindo o contrato mas está, cumprindo a legislação e as normas que regem sua atuação.
Importante lembrar que o sistema de saúde suplementar é baseado no mutualismo, ou seja, no rateio dos riscos entre todos os beneficiários. Permitir que decisões individuais imponham obrigações desproporcionais às operadoras, por via judicial, acaba por comprometer a coletividade e desequilibrar a lógica econômica do setor. Cada cobertura não prevista no contrato ou no Rol que venha a ser custeada compulsoriamente pela operadora repercute diretamente no reajuste das mensalidades e na capacidade financeira da carteira como um todo. O resultado é uma elevação generalizada de custos, que penaliza não apenas a operadora, mas todos os demais beneficiários que mantêm seus planos em dia.
Nos últimos anos tem-se buscado últimos anos, alinhar esse entendimento com os tribunais, demonstrando de forma clara e objetiva, que o Rol de Procedimentos da ANS possui natureza taxativa, ainda que com abertura para exceções, desde que preenchidos critérios técnicos rígidos: ausência de alternativa no Rol, comprovação da eficácia do tratamento e indicação expressa do profissional assistente. No entanto, mesmo essas exceções exigem uma análise casuística e devem ser aplicadas com cautela, a fim de evitar distorções que comprometam o equilíbrio do sistema regulado.
É fundamental, portanto, distinguir a negativa legítima, amparada por previsão contratual e respaldo normativo, da negativa abusiva, arbitrária e infundada — essa sim passível de responsabilização. O simples fato de um procedimento não ser autorizado não implica, automaticamente, em conduta ilícita da operadora. Quando a recusa observa os limites do contrato e da regulação vigente, não há que se falar em dano moral ou em descumprimento contratual. A responsabilização só é cabível quando há omissão injustificada, recusa em situações de urgência devidamente comprovada, ou quando há violação ao princípio da boa-fé contratual.
Diante desse cenário complexo, a atuação preventiva e estratégica de uma assessoria jurídica especializada torna-se indispensável para as operadoras de saúde. A correta interpretação contratual, o alinhamento com as normativas da ANS, a padronização dos procedimentos de negativa e a capacitação das áreas técnicas e assistenciais são medidas que reduzem significativamente os riscos de litígios e fortalecem a legitimidade das decisões empresariais. Além disso, a representação técnica em juízo deve ser pautada pela apresentação de argumentos objetivos, respaldados em documentos e evidências regulatórias, evitando posicionamentos que fragilizam a reputação da operadora diante do Judiciário.
Negar cobertura, quando feita nos limites da legalidade e da regulamentação, não é apenas um direito, mas uma obrigação imposta às operadoras para que possam garantir a perenidade do serviço contratado, o equilíbrio atuarial das carteiras e o respeito à coletividade. A defesa da legalidade das negativas é, portanto, uma forma de preservar não só o contrato, mas o próprio sistema de saúde suplementar, cuja estabilidade interessa a todos: operadoras, beneficiários e sociedade.
Nosso escritório atua ao lado de uma das principais operadoras de saúde do país, com foco na condução estratégica de demandas judiciais e na mitigação de riscos. Com sólida experiência na área que nos permite entregar soluções jurídicaseficazes, sempre alinhadas à legislação vigente, às resoluções normativas da ANS e às melhores práticas do setor, contribuindo de forma concreta para a segurança jurídica e a sustentabilidade da saúde suplementar.